PEDRO JOSÉ LABRONICI, JOSÉ SERGIO FRANCO, PAULO ROBERTO BARBOSA DE TOLEDO LOURENÇO, ROLIX HOFFMANN, EDUARDO AYRES LOSCHI, GILBERTO RIBEIRO GIUBERTI
AVALIAÇÃO CLÍNICA DO DESVIO ROTACIONAL DA TÍBIA APÓS TRATAMENTO COM PLACA EM PONTE
PEDRO JOSÉ LABRONICI1, JOSÉ SERGIO FRANCO2, PAULO ROBERTO BARBOSA DE TOLEDO LOURENÇO3, ROLIX HOFFMANN4, EDUARDO AYRES LOSCHI4, GILBERTO RIBEIRO GIUBERTI4
Rev Bras Ortop. 2007;42(4):81-7
Resumo Objetivo: Avaliar clinicamente o desvio rotacional no pósoperatório das fraturas diafisárias da tíbia, tratadas pela técnica de placa em ponte, utilizando a tomografia computadorizada como método de comparação. Métodos: No período entre 2004 e 2006, foram tratados 71 pacientes com fraturas unilaterais da diáfise da tíbia, pela técnica de placa em ponte. O método tomográfico utilizado foi o de Jakob et al para obter as medidas da rotação tibial. Foi empregada a classificação AO das fraturas e divididas em subgrupos quanto à localização anatômica: proximal, média, distal e segmentada; à exposição: fechadas subclassificadas pelo método de Oestern e Tscherne, e expostas, por Gustillo et al. Foram avaliadas as fraturas da tíbia associadas com a fíbula, o nível da fratura da fíbula e a percentagem de desvios em rotação nula, interna e externa. Os pacientes foram fotografados até o segundo dia de pósoperatório e analisados por três observadores. Resultados: Foi demonstrado que não houve diferença significativa na diferença rotacional (em graus) entre as categorias estudadas. Observou-se que existiu concordância significativa da diferença rotacional entre os observadores. Porém, a concordância com a TC foi de grau moderado a fraco. A melhor concordância foi com o observador 3 (ICC = 0,44), em seguida, o observador 2 (ICC = 0,43) e o observador 1 (ICC = 0,41). Conclusão: Apesar de o exame mecânico indicar tendência do desvio rotacional, a tomografia computadorizada é o melhor método para avaliar a rotação tibial após fraturas unilaterais diafisárias da tíbia. Descritores - Fraturas da tíbia; Fixação interna de fraturas/métodos; Tomografia computadorizada por raios X; Rotação; Fixadores internos. |
Trabalho realizado no Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Prof. Dr. Donato D'Ângelo, Hospital Santa Teresa, Petrópolis (RJ), Brasil.
INTRODUÇÃO A rotação tibial é uma torção fisiológica do eixo articular proximal da tíbia versus o distal, no plano transverso(1). O desvio rotacional da tíbia é definido como aumento na torção, tanto na direção interna como na externa, maior do que 10o, variando entre 5o e 20o, quando comparado com o membro não afetado(2-5). A fratura da tíbia é, sem dúvida, a fonte mais importante de rotação patológica na perna de adultos(5). Segundo a literatura, a incidência de desvio rotacional é menor do que 1%, porém, o método utilizado ou era clínico ou não relatado(6-12). Métodos empregando tropometria ou outros métodos que empregam aparelhos mecânicos foram utilizados para avaliar as medidas anatômicas na tíbia, mas, dependendo do ponto de referência escolhido, os valores da rotação tibial variavam(1,13-16). Técnicas utilizando a radiografia simples e a fluoroscopia com o arco em "C" foram consideradas limitadas ou necessitavam de cálculos trigonométricos e também demonstravam grandes variações interobservadores, além de expor a irradiação os pacientes e o examinador(13-14,17-21). Métodos associando a ultra-sonografia (US) e a tomografia computadorizada (TC) também podem ser utilizados, porém, são exames técnico-dependentes, podendo comprometer os resultados(22). Técnicas empregando a TC ou a tomografia computadorizada tridimensional (3-D) são consideradas os métodos ideais para a medição da rotação tibial, pois determinam precisamente os pontos de referência e facilitam a medição da torção tibial, apesar de serem ainda um exame caro e exporem os pacientes a irradiação(5,23-30). O objetivo deste trabalho foi avaliar clinicamente o desvio rotacional nos pacientes com fraturas unilaterais da diáfise da tíbia tratadas pelo método de placa em ponte e compará-lo prospectivamente com a tomografia computadorizada. MÉTODOS No período entre maio de 2004 e julho de 2006, foram tratados 71 pacientes com fratura unilateral da diáfise da tíbia pela técnica de placa em ponte, no Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ. Foram incluídos todos os pacientes que apresentaram fraturas diafisárias da tíbia nos quais a placa em ponte estava indicada e pacientes em tratamento com fixador externo prévio. Fatores de exclusão foram: pacientes com fratura diafisária da tíbia bilateral recente ou antiga, refratura da diáfise da tíbia, fratura ipsilateral e contralateral do fêmur, doenças prévias como: seqüela de paralisia cerebral, poliomielite, osteogênese imperfeita, etc. e gravidez ou outras razões pelas quais os pacientes foram incapazes de realizar a TC. Todos os pacientes utilizaram placas retas do tipo compressão dinâmica larga ou estreita de 4,5mm. Dos pacientes, 57 eram do sexo masculino e 14 do feminino; 38 apresentaram fratura do lado direito e 33 à esquerda. A idade variou de 13 a 76 anos, média de 33,7 anos. A localização das fraturas foi: cinco pacientes apresentaram fratura no terço proximal, 33 no terço médio, 30 no terço distal e três segmentadas. Segundo a classificação AO(31) das fraturas, 27 pacientes apresentavam fratura do tipo A, 30 do tipo B e 14 do tipo C. As fraturas expostas foram classificadas pelo método de Gustilo et al(32): quatro pacientes apresentaram fratura exposta do grau I, 12 do grau II e sete do grau IIIA. As fraturas fechadas foram classificadas pelo método de Oestern et al(33): 20 pacientes apresentaram fratura do tipo 0, 21 do tipo 1, sete do tipo 2. Não houve pacientes com fratura do tipo 3. A fratura da fíbula estava associada à tíbia em 56 pacientes e ausente em 15. A tíbia e a fíbula encontravam-se fraturadas no mesmo nível em 43 pacientes e em níveis diferentes em 13. A percentagem de desvios em rotação interna foi de 22,5%, externa de 63,4% e nula de 14,1%. Avaliação clínica Todos os pacientes foram fotografados até o segundo dia de pós-operatório, antes da alta hospitalar. O paciente era posicionado em decúbito dorsal apoiando os membros inferiores sobre um aparelho que mantinha os quadris e joelhos fletidos em 90º e os membros inferiores abduzidos a 60º (figura 1). A máquina fotográfica foi fixada no centro do aparelho, mantendo os membros eqüidistantes, para obter fotografias iguais. Avaliação radiográfica A avaliação radiográfica envolveu imagens da TC de ambas as tíbias e comparadas para quantificar o grau de rotação tibial. A técnica utilizada foi a de Jakob et al(24), na qual o paciente foi mantido em posição supina com as pernas fixadas com as patelas paralelas à mesa e apoiadas em suportes para evitar movimentos durante o exame. Os cortes tomográficos foram de 2mm, na região proximal acima da articulação tibiofibular e na região proximal da articulação tibiotársica (figuras 2 e 3). A linha de referência proximal foi tangenciada à borda dorsal da tíbia, proximal à cabeça da fíbula. A linha de referência distal foi perpendicular à articulação tibiofibular, na região do pilão tibial(24). A rotação tibiofibular foi definida como o ângulo entre os dois eixos e comparado com o membro contralateral não afetado. A deformidade em rotação interna foi classificada com valor negativo e rotação externa, valor positivo. Foram definidos como deformidade rotacional valores maiores do que 10º quando comparados com os do membro normal contralateral(34-36). Todas as fotografias indicavam o lado fraturado e foram analisadas por três ortopedistas individualmente, sem terem acesso à identificação do paciente. Com ajuda de um goniômetro, mediam o maior eixo do pé anotando em ângulos: lado direito, esquerdo e a diferença, que foi comparada com a tomografia computadorizada. Metodologia estatística A análise estatística foi realizada pelo teste de Mann-Whitney para verificar se existiu diferença rotacional (em graus) entre as categorias das diferentes características da fratura. Para a comparação entre as três categorias (A, B e C), foi realizada a análise de variância de Kruskal-Wallis. Foram utilizados testes não paramétricos, pois a diferença rotacional não apresentou distribuição normal (distribuição gaussiana) devido à dispersão dos dados e à falta de simetria da distribuição. O coeficiente de correlação intraclasses, conhecido como ICC(37), avaliou a concordância na diferença rotacional entre os observadores com a tomografia computadorizada (TC). O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%, ou seja, quando o valor p do teste estatístico é menor ou igual a 0,05, então existe concordância significativa. RESULTADOS Os 71 pacientes tratados com placa em ponte foram avaliados sob o aparelho para observar o desvio rotacional. 1 - Perfil geral da casuística A tabela 1 fornece a média, desvio-padrão (DP), mediana, mínimo e máximo da idade (em anos) e da diferença rotacional (em graus) no total da amostra. A tabela 2 fornece a freqüência (n) e o percentual (%) das características qualitativas no total da amostra. 2 - Verificar a diferença rotacional entre as diferentes características da fratura A tabela 3 fornece a média, desvio-padrão (DP), mediana, mínimo e máximo da diferença rotacional (em graus) segundo as diferentes características da fratura. Observou-se que não existiu diferença significativa na diferença rotacional (em graus) entre as categorias das características estudadas. Devido ao número muito pequeno de pacientes nos subgrupos proximal e segmentar, não foi possível fazer a análise estatística. 3 - Verificar a concordância da diferença rotacional entre o observador com a tomografia computadorizada (TC), segundo o coeficiente de correlação intraclasses (ICC) A análise de fidedignidade entre observadores avaliada pelo coeficiente de correlação intraclasses (ICC) testa a hipótese de concordância nula (Ho: ICC = 0) sendo considerada verdadeira. Se a hipótese nula não for rejeitada (p > 0,05), então o observador e a TC não são fidedignos, isto é, a discordância entre eles é significativa, e não ao acaso. Caso contrário, se a hipótese nula for rejeitada (p < 0,05), então os dois avaliadores são fidedignos ou reprodutíveis, isto é, a discordância não é significativa. Para que a diferença entre a medida do observador e a da tomografia computadorizada expressasse uma distância real, a diferença rotacional foi expressa da seguinte forma: Quanto mais próximo o ICC for de 1, mais forte (ou perfeita) é a concordância entre o observador e a TC; neste caso, os dois métodos de avaliação se assemelham sob o aspecto numérico (quantitativo). Por outro lado, quanto mais próximo de zero, maior é a discordância entre os métodos, e isso significa que não se reproduzem. A tabela 4 fornece o ICC e seu respectivo nível de descritivo (valor p) para a diferença rotacional de cada observador com a tomografia computadorizada (padrão ouro). Através de simulações, pode-se dizer que: Observou-se que existiu concordância significativa da diferença rotacional entre os observadores. Porém, a concordância com a TC foi de grau moderado a fraco. A melhor concordância foi com o observador 3 (ICC = 0,44), em seguida o observador 2 (ICC = 0,43) e o observador 1 (ICC = 0,41). DISCUSSÃO A fratura da diáfise da tíbia pode causar deformidades graves, imprevisíveis e complicadas nos membros inferiores. Quando se utiliza a técnica de placa em ponte, em que existe a necessidade de modelar a placa em dois eixos, podem desenvolver-se desvios tanto angulares como rotacionais(6-12). A insuficiência de dados na literatura sobre os graus do desvio rotacional reflete a dificuldade da medição dessa deformidade após a fratura da tíbia(38). Métodos utilizando a radiografia convencional foram inicialmente propostos por Hutter et al(13) e subseqüentemente modificados por Rosen et al(14). Esses métodos envolviam a projeção axial da tíbia com o paciente em posição sentada. Infelizmente, esses métodos não foram considerados confiáveis e reprodutíveis(5,39-40). Os métodos intra-operatórios utilizando a fluoroscopia foram descritos por Clementz et al(21,41-44). Além de esse exame envolver grande quantidade de radiação, na prática diária não foi confirmada sua reprodutibilidade. A avaliação da rotação tibial pela TC foi inicialmente descrita por Jakob et al, em 1980(24). Eles compararam seus resultados e demonstraram precisão similar com as medidas em esqueleto de cadáver. Método parecido foi proposto por Jend et al, em 1981(25). Ambos os estudos confirmaram a precisão das medidas pela TC. Em seu estudo, Laasonen et al(23) questionaram a reprodutibilidade das medidas da TC quando compararam as linhas de referência descritas nos estudos prévios. Elgeti et al(45) relataram alto grau de precisão e reprodutibilidade com a TC. Entretanto, essas medidas foram realizadas em modelos esqueléticos e não estudadas na prática clínica. Os diferentes métodos mecânicos utilizados para medir os pacientes são baseados na identificação anatômica das estruturas ósseas, tais como maléolos, tuberosidade tibial e linha média da patela. Esses métodos, sem referências anatômicas precisas, demonstraram não ser confiáveis e de reprodução insatisfatória. No exame clínico, o paciente senta-se sobre a beira da mesa com os membros pendentes ou deitado em posição pronada com os joelhos fletidos a 90º e observava a rotação dos pés(5). Krettek et al(46) utilizaram uma técnica em que, pré-operatoriamente, o quadril e o joelho contralateral são fletidos em 90º. Com o tornozelo dorsofletido, realizavam rotação interna e externa da tíbia na articulação do joelho, utilizando o pé perpendicular à mesa como posição neutra e anotavam as angulações em graus. Intra-operatoriamente, a rotação da tíbia fraturada era alinhada de acordo com os valores obtidos do lado contralateral e a osteossíntese realizada. Deve-se chamar atenção à confusão que existe na literatura em relação à rotação tibial. Le Damany(1) definiu a rotação como uma torção fisiológica da articulação proximal da tíbia versus a distal no plano transverso. Porém, Staheli(16) e Eckhoff(38) definiram a torção tibial como qualquer rotação acima de dois desvios-padrões da média. Eles usaram o termo versão para descrever a rotação fisiológica que ocorre normalmente. Evidentemente que essa última definição não é aplicável quando se trata de fratura unilateral da tíbia. Devido à grande variação da rotação fisiológica, o melhor método deve ser o da comparação com o membro não afetado(24-26). Segundo a literatura, existe diferença menor que 8º entre os membros inferiores quando medimos a rotação tibial com a TC(22,24-25). Por isso, rotação maior de 10º foi considerada como sendo patológica. Neste estudo, utilizando o método de placa em ponte, encontramos 9,8% de desvio rotacional. Neste estudo, utilizamos intra-operatoriamente um modelador de alumínio para obter a angulação e rotação da tíbia sobre a perna contralateral. No pós-operatório, o paciente em decúbito dorsal, os quadris e joelhos fletidos em 90º, medimos a rotação externa ou interna e comparamos com a tomografia computadorizada. Os resultados demonstraram que houve concordância significativa da diferença rotacional entre os observadores. Porém, quando comparados com a TC, a concordância foi de grau moderado a fraco. Isso significa que o exame clínico não demonstrou confiabilidade e que a TC, apesar de em nosso meio ainda ser considerada um exame caro e envolver radiação, continua sendo o meio diagnóstico ideal para a medição do desvio rotacional tibial. CONCLUSÃO Apesar de o exame mecânico indicar tendência do desvio rotacional, a tomografia computadorizada é o melhor método para avaliar a rotação tibial após fraturas unilaterais diafisárias da tíbia.
REFERÊNCIAS
1. Le Damany P. La torsion du tíbia normale, pathologique, experimentale. J Anat Physiol. 1909;45:598-615. |