Pedro Labronici, Gabriel Castro, Sérgio Neto, Hermann Gomes, Rolix Hoffmann, Justino N. de Azevedo , José Franco, Tito Rocha, Sérgio Delmonte
Objetivo: Comparar, entre três avaliadores, a existência de concordância das medidas da anteversão do colo femoral com o grau da osteoartrite e a alteração do ângulo cervicodiafisário em pacientes com osteoartrite idiopática unilateral do quadril. Métodos: Foram avaliados 42 pacientes com osteoartrite unilateral do quadril por meio de radiografia simples e tomografia computadorizada. Resultados: Observou-se que não ocorreu variação significativa na anteversão femoral entre o quadril doente e o sadio. Houve uma concordância mais forte entre os observadores 1 e 2, tanto em relação ao quadril doente (caso) quanto ao sadio (controle). Além disso, não foi verificada concordância significativa entre os observadores 1 e 3 (p = 0,13) e entre 2 e 3 (p = 0,12) em relação ao ângulo cervicodiafisário do quadril controle. Conclusão: Apesar de não ter ocorrido relação entre a anteversão femoral e o ângulo cervicodiafisário nos pacientes com osteoartrite unilateral do quadril, este estudo demonstrou não haver relação com estes desvios angulares.
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1 - Doutor em Medicina pela Universidade Federal de São Paulo - Escola Paulista de Medicina e Chefe de Clínica do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Prof. Dr. Donato D'Ângelo - Hospital Santa Teresa - Petrópolis, RJ, Brasil.
INTRODUÇÃO Apesar de muitas pesquisas, a patogênese da osteoartrite primária do quadril ainda não foi precisamente determinada. Os fatores patogênicos, que causam degeneração articular, podem ser divididos em duas categorias: biológica e biomecânica. Dentre estes fatores estão: as mudanças hormonais, como o estrógeno feminino; defeitos vasculares, levando à formação cística do osso; mudanças biomecânicas, sobrecarregando a cartilagem articular; predisposição constitucional; e alterações morfológicas nos componentes articulares que não são evidenciados pelo exame radiográfico(1). Existem numerosos estudos sobre a medição da torção dos ossos dos membros inferiores(2-12). Alguns autores sustentam a hipótese de que a persistência da anteversão femoral predispõe a osteoartrite do quadril(1,7,13-16), enquanto outros não acreditam nesta hipótese(17-19). O objetivo deste estudo foi analisar a existência de anteversão do colo femoral em pacientes com osteoartrite idiopática unilateral do quadril, comparando, pela tomografia computadorizada, o lado sadio com o lado comprometido e, também, analisar o grau da osteoartrite com a anteversão femoral e o ângulo cervicodiafisário. MÉTODOS No período compreendido entre janeiro de 2008 a fevereiro de 2010, foram avaliados 42 pacientes com osteoartrite unilateral do quadril no Hospital Santa Teresa, Petrópolis. Foram excluídos pacientes com doenças metabólicas, sequelas de trauma ou infecção, doenças reumáticas, necrose avascular e pacientes com osteoartrite bilateral. Foram avaliados 27 pacientes do sexo feminino e 15 do masculino. A idade variou de 89 a 42 anos com média de 69,7 anos. Vinte pacientes apresentaram osteoartrite no lado direito e 22 do lado esquerdo. Os pacientes foram avaliados por três médicos ortopedistas em separado. No exame radiográfico, na incidência anteroposterior da bacia, foram analisados: o grau da osteoartrite, pelo sistema de classificação desenvolvido por Busse et al(20), dividida em 0 a 3 e o ângulo cervicodiafisário (Quadro 1). A tomografia computadorizada foi analisada pelo método de Jeanmart et al(21) para avaliar a rotação femoral com cortes na região proximal do fêmur e os côndilos femorais. A diferença no ângulo de torção entre o lado doente e o sadio determina a deformidade rotacional (Figura 1A e B). Pacientes com uma diferença do ângulo de torção maior ou igual a 15° foram considerados por ter uma deformidade rotacional verdadeira.
Figura 1A - Radiografia em AP com artrose da coxa femoral A Tabela 1 fornece o perfil da casuística para os 42 pacientes deste estudo. A presença de deformidade angular (anteversão femoral) foi baseada na diferença entre os quadris (doente e sadio) e os côndilos femorais bilaterais, através da tomografia computadorizada.
Figura 1B - Tomografia computadorizada da coxo femoral e côndilo femoral bilateral com as medidas respectivas. Para fins de consulta, a Tabela 2 fornece a descritiva do grau de artrose segundo os avaliadores.
Tabela 2 - Grau de artrose segundo os avaliadores. AVALIAÇÃO ESTATÍSTICA A análise estatística foi composta pelos seguintes métodos: - concordância entre os observadores nas medidas do ângulo cervicodiafisário (ACD) e da anteversão do colo femoral pela tomografia computadorizada (TC); foram avaliadas pelo coeficiente de correlação intraclasses (ICC)(1); - verificar se existe variação significativa no ACD e na TC do quadril doente em relação ao quadril sadio; foi utilizado o teste dos postos sinalizados de Wilcoxon; - verificar se existe diferença significativa no ACD do quadril doente entre os graus de artrose (I, II e III); foi aplicada a ANOVA de Kruskal-Wallis. Foram utilizados métodos não paramétricos, pois as variáveis não apresentaram distribuição normal (distribuição gaussiana). O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software estatístico SAS® System. RESULTADOS Nosso objetivo foi observar, pela análise da tomografia computadorizada, a existência de concordância entre três avaliadores nas medidas da anteversão do colo femoral (AVCF) no quadril doente (caso) e no sadio (controle), o ângulo cervicodiafisário (ACD) e a relação com o grau de artrose do quadril. A fidedignidade interobservador foi avaliada pelo coeficiente de correlação intraclasses (ICC), que verificou a existência de concordância significativa nas medidas do ACD e AVCF entre três avaliadores. Quanto mais próximo de um (1) for o ICC, mais forte (ou perfeita) é a concordância entre os observadores. Neste caso, os observadores se assemelham sob o aspecto numérico (quantitativo). Por outro lado, quanto mais próximo de zero (0), maior é a discordância, ou seja, significa que não se reproduzem e as diferenças observadas não são ao acaso. Através de vários estudos e simulações, pode-se dizer que: As Tabelas 3 e 4 fornecem o coeficiente de correlação intraclasses (ICC) e seu respectivo nível descritivo (p) para cada par de observador, para o ACD e AVCF, respectivamente, nos 42 pacientes em estudo.
Observou-se que existe concordância significativa entre os observadores cujo p = 0,05. Podemos dizer que a concordância mais forte (moderada) foi entre os observadores 1 e 2, tanto para o quadril doente (caso) quanto para o sadio (controle). Destacamos, ainda, que não foi verificada concordância significativa entre os observadores 1 e 3 (p = 0,13) e entre 2 e 3 (p = 0,12) para o ACD do quadril controle. Verificou-se que existe concordância significativa entre os observadores cujo p = 0,05. Podemos dizer que a concordância mais forte (ótima) foi entre os observadores 1 e 2, tanto para o quadril doente (caso) quanto para o sadio (controle). Destacamos, ainda, que a concordância observada para a AVCF foi muito melhor que para o ACD. As Tabelas 5, 6 e 7 fornecem a média, desvio padrão ou erro padrão (DP/EP), mediana, mínimo e máximo da AVCF do quadril doente (caso), no quadril sadio (controle), a correspondente variação absoluta (delta) e o respectivo nível descritivo (p) do teste dos postos sinalizados de Wilcoxon para o avaliador 1, 2 e 3, respectivamente. A variação absoluta da AVCF do quadril doente para o sadio foi dada pela fórmula: Delta AVCF = (AVCF do quadril caso - AVCF do quadril controle).
Observou-se que não existe variação significativa na AVCF, em média, de 2,05 unidades (p = 0,22) do quadril doente para o sadio, segundo o avaliador 1.
Verificou-se que não existe variação significativa na AVCF, em média, de 0,26 unidades (p = 0,68) do quadril doente para o sadio, segundo o avaliador 2.
Verificou-se que não existe variação significativa na AVCF, em média, de 0,55 unidades (p = 0,15) do quadril doente para o sadio, segundo o avaliador 3. Outro objetivo foi verificar a existência de diferença entre o ACD do quadril doente (caso) e os graus de artrose (I, II e III). A Tabela 8 fornece a média, desvio padrão (DP), mediana, mínimo e máximo do ACD do quadril doente (caso) segundo o grau de artrose (I, II e III), e o nível descritivo (p) da ANOVA de Kruskal-Wallis.
Observou-se que não existe diferença significativa no ACD do quadril doente (caso) entre os graus de artrose, para o avaliador 1 (p = 0,22), avaliador 2 (p = 0,23) e avaliador 3 (p = 0,74). DISCUSSÃO A anteversão representa um componente anterior do ângulo cervicodiafisário. Este ângulo está orientado para uma posição que proporciona mais vantagem a resistência sobre as forças que atuam sobre a articulação, e também possibilita uma influência mecânica que permite uma grande amplitude articular(11). Para analisar a deformidade rotacional, a tomografia computadorizada demonstrou ser um método eficaz. Vários trabalhos têm demonstrado a interferência da anteversão femoral no desenvolvimento da osteoartrite do quadril. Reikeras et al(7) demonstraram que a anteversão do colo femoral poderia ser o fator predisponente devido à dificuldade de adaptação da cabeça do fêmur com o acetábulo. Também levantaram a hipótese de que o aumento da anteversão poderia ser secundária ao processo degenerativo da osteoartrite. Entretanto, observaram que, quando faziam a medição nos pacientes mais idosos, que teoricamente teriam a doença há mais tempo, estes não apresentavam diferença rotacional quando comparados aos pacientes mais jovens. Halpern et al(16) observaram que, apesar da marcha de aparência normal, a rotação externa compensatória contribuiria para uma rotação anormal da cabeça femoral no acetábulo e poderia ser um dos fatores tardios no desenvolvimento da osteoartrite. Apesar de vários autores relatarem que a persistência da anteversão femoral pode predispor ao desenvolvimento da osteoartrite(1,7,13-16), este estudo observou não ter ocorrido diferença significativa entre o quadril doente e o sadio nos pacientes com osteoartrite unilateral do quadril pela análise da tomografia computadorizada (nosso estudo foi baseado presumindo anteversão femoral de até 15°). Estes parâmetros foram reforçados quando utilizado o critério de variação absoluta (delta), sugerindo que esta deformidade poderia não ser o único fator predisponente da osteoartrite. O ângulo da anteversão não é uma entidade isolada. Está relacionado intrinsecamente com o ângulo cervicodiafisário, em suas variações de varo ou valgo(11). Mills et al(22) analisaram radiografias para verificar a anatomia do quadril e o grau da osteoartrite. Observaram que houve um grande número de pacientes com o ângulo cervicodiafisário aumentado. Laforgia et al(23) observaram existir uma correlação direta da osteoartrite do quadril e, além de outras variáveis, com o aumento do ângulo cervicodiafisário. Doherty et al(24) observaram que o aumento do predomínio da deformidade em pistol grip com aumento do ângulo cervicodiafisário, nos pacientes com osteoartrite unilateral, poderia ocasionar osteoartrite do quadril. Entretanto, a cabeça femoral não esférica e o aumento do ângulo cervicodiafisário podem ocorrer como consequências da osteoartrite. Reikeras e Hoiseth(13), após avaliarem 44 pacientes com osteoartrite unilateral e bilateral do quadril, não encontraram diferença em relação ao ângulo cervicodiafisário. Este estudo reiterou que, quando comparado o quadril doente com o lado sadio de pacientes com osteoartrite, não houve diferença em relação à alteração do ângulo cervicodiafisário. Giunti et al(1) observaram que o ângulo de anteversão foi significativamente maior no grupo com osteoartrite quando comparado com o grupo controle e o aumento também foi proporcional à gravidade da artrose. Analisamos também a relação entre o ângulo cervicodiafisário e o grau da osteoartrite e observamos não existir diferença significativa no ACD do quadril doente (caso) e o sadio (controle) e entre os graus de artrose. CONCLUSÃO Ao analisar pacientes com osteoartrite unilateral do quadril, este estudo demonstrou não haver relação entre a anteversão femoral, o ângulo cervicodiafisário e o grau de osteoartrite.
REFERÊNCIAS
1. Giunti A, Moroni A, Olmi R, Rimondi E, Soldati D, Vicenzi G. The importance of the angle of anteversion in the development of arthritis of the hip. Ital J Orthop Traumatol. 1985;11(1):23-7. |