Fabiano Bolpato Loures, Alfredo Chaoubah, Vinícius Silveira Maciel, Elenir Pereira de Paiva, Patrick Pereira Salgado, Álvaro Correa Netto
Custo-efetividade do tratamento cirúrgico da fratura do quadril em idosos no Brasil
Fabiano Bolpato Loures, Alfredo Chaoubah, Vinícius Silveira Maciel, Elenir Pereira de Paiva, Patrick Pereira Salgado, Álvaro Correa Netto
rev bras ortop .2015;5 0(1):38-42
Resumo Objetivos: estimar o custo por ano de vida ajustado por qualidade (QALY) com foco no tempoentre o trauma e a cirurgia.Métodos: foi feita uma coorte retrospectiva com amostra sistemática com todos os paci-entes internados no hospital do estudo pelo Sistema Único de Saúde (SUS) durante trêsanos. Compararam-se duas estratégias de tratamento, uma precoce, se o paciente fosseoperado até o quarto dia, e outra tardia, se após o quarto dia. O custo foi o direto médicodo ponto de vista do SUS, colhido diretamente do Sistema de Gerenciamento da Tabela deProcedimentos, Medicamentos e Custos de Materiais de Implantes (OPM) do SUS (Sigtap),para contagem dos custos associados ao hospital, aos honorários médicos e aos implantesusados, e o desfecho utilidade foi medido indiretamente por meio do EuroQOL-5D, ins-trumento mundialmente usado e transformado em utilidade pela normativa do Centro deDesenvolvimento e Planejamento Regional de Minas Gerais (Cedeplar) de 2013.Resultados: a amostra contou com 110 pacientes, 27 no grupo precoce e 83 no tardio. Variáveisconfundidoras foram controladas, idade, gênero, risco anestésico (ASA) e tipo de fratura ede cirurgia. As amostras se revelaram homogêneas quanto a essas variáveis. O custo porQALY da estratégia precoce foi de R$ 5.129,42 e da estratégia tardia, de R$ 8.444,50.Conclusão: a estratégia precoce demonstra dominância em relação à tardia neste estudo. Descritores - Análise Econômica em Saúde Fratura do quadril Idoso |
Introdução As fraturas do fêmur proximal têm repercussões seriíssimasno paciente idoso: alta morbidade e mortalidade, alto índicede incapacidade em pós-operatório e custos crescentes tantopara a família quanto para a sociedade, com resultados pobresdo tratamento. São consideradas um dos maiores problemasde saúde pública do mundo.1,2 A linha-guia do Reino Unido recomenda 24 horas comoobjetivo ideal entre o trauma e a cirurgia, exceto naquelescasos em que o quadro do paciente necessite de mais tempopara melhoria clínica.3Alguns consideram o cumprimentodesse tempo ideal um critério de qualidade do serviço emquestão.4 O tempo entre o trauma e a cirurgia é alargado no Brasil,o que pode acarretar pioria dos resultados clínicos e de quali-dade de vida, além de aumentar os custos em um sistema desaúde em desenvolvimento, como é o brasileiro.5-7 Os custos diretos médicos relacionados ao tratamentoda fratura do quadril em idosos têm sido estudados desde2001, no Brasil, e variam de forma importante, princi-palmente por causa das diferenças nas metodologias decoleta ou levantamento usadas, desde R$ 1.700,008até R$24.000,00.9 A efetividade pode ser medida como qualidade de vida, onome do resultado é "utilidade". Trata-se de um método demensuração em que um número cardinal que varia de zeroa um representa um extrato possível da qualidade de vida.Morte é representada como "zero" e perfeita qualidade de vidaé representada como "um". Esse desfecho pode ser colhidodireta ou indiretamente por meio de questionários. Os métodos de coleta indiretos são mais fáceis e baratos.10O uso desses instrumentos depende das normativas detransformação, que, idealmente, devem ser criadas napopulação-alvo local.11 Independentemente do tipo de investimento, se públicoou privado, os gastos em saúde vêm crescendo no mundo,ora por aumento da tecnologia dura, ora pela soma de tec-nologias, uma característica do setor de saúde. Isso torna aeficiência alocativa e a eficiência dos tratamentos ainda maisimportantes.12Esse conhecimento deve fazer parte do inte-resse dos ortopedistas. Uma análise econômica da "fratura do quadril em ido-sos" torna-se um esforço para conhecer melhor o problema eseus detalhes e possibilitar o planejamento adequado para seuenfrentamento. Sua principal característica é o ponto de vistacoletivo em vez do individual, o que traduz melhor a dimensãoda questão aos nossos olhares e aos dos gestores da saúde. O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre o custo,sob a perspectiva do Sistema Único de Saúde (SUS), e a efetivi-dade do tratamento cirúrgico da fratura do quadril em idosos,no Brasil, com foco no tempo decorrido entre o trauma e acirurgia. Métodos Estudou-se uma coorte retrospectiva formada por uma amos-tra sistemática de todos os pacientes com fraturas do quadrilinternados no hospital do estudo, de 1?de janeiro de 2009 a 31de dezembro de 2011. Fez-se uma análise econômica em saúdecom perspectiva do pagador, ou seja, do SUS, e levaram-se emconsideração os custos diretos médicos associados às diver-sas técnicas possíveis de tratamento para fratura do quadrilem idosos. O horizonte temporal considerado foi de um ano,não se aplicaram correções, pois não houve correção, duranteesse tempo, da tabela que cuida do ressarcimento dos hospi-tais que trabalham com pacientes do SUS, conforme o que foipalco do estudo. Dessa coorte colheram-se custos diretos médicos,tempo entre o trauma e a cirurgia, número de óbitos intra-hospitalares, tempo de permanência e utilidade pormeio do EuroQOL-5D (EQ-5D),13instrumento já usado e comnormativas de transformação disponíveis para o Brasil.14Esses foram considerados desfechos finais ou variáveisdependentes. Como variáveis independentes, foram colhidos idade,gênero, tipo de fratura, tipo de tratamento e risco anestésico- ASA.15 Os custos associados aos tratamentos foram levantadosdiretamente do Sistema de Gerenciamento da Tabela de Pro-cedimentos, Medicamentos e OPM do SUS (Sigtap), segundoos códigos associados aos Códigos Internacionais de Doença(CID-10)16- S72-0, que corresponde à fratura do colo do fêmur,e S72-1, que corresponde à fratura transtrocanteriana. Esses foram divididos em custos hospitalares, de honorá-rios médicos, de materiais de implantes e totais. Dois grupos foram criados com foco no tempo decorrenteentre o trauma e a cirurgia: "cirurgia precoce" (= 4 dias) e"cirurgia tardia" (> 4 dias). Esse ponto de corte se amparanas observações de Fernandes et al.,17em que o grupo pre-coce desapareceria se o ponto de corte fosse menor, e deMoroni et al.,18que comprovam, em seu trabalho, mortalidadeaumentada após esse ponto de corte. Os grupos foram comparados com relação à idade peloteste t de Student e com as demais variáveis independentes,em formato dicotômico, pelo teste qui-quadrado. A análise estatística foi feita com o Statistical Package forSocial Sciences (SPSS) 20.0 e a árvore de decisão gerada a partirdo software Treeage Pro 2011. O estudo contou com a liberação do Comitê de Ética emParecer Consubstanciado n?. 126.931, de 09/10/2012. Resultados Foram encontrados quatro códigos de tratamento e seis tiposde OPM e seus variados custos, conforme tabelas 1-3. Aplicou-se o custo real, pago pelo SUS, à planilha criadacom os 115 pacientes da coorte estudada e foi encontradoo custo médio por tratamento, por paciente, de R$ 1.933,79(DP, R$ 686,26), com custos hospitalares médios na amostra de R$ 813,92 (DP, R$ 210,92), o que correspondeu a 42,09% dototal, custos de honorários médicos médios de R$ 252,73 (DP,R$ 12,13), correspondentes a 13,17% do custo total, e OPMsmédios de R$ 867,13 (DP, R$ 473,52), que corresponderam a44,84% do custo total. Compararam-se os dois grupos segundo as variáveis inde-pendentes. Os resultados são apresentados na tabela 4. Consideraram-se os grupos homogêneos e que os custospara ambas as estratégias, sob a perspectiva do SUS, eram osmesmos e passou-se a compará-los. Com relação aos óbitos intra-hospitalares, encontraram--se 7,41% de óbitos no grupo precoce contra 16,86% no grupoda cirurgia tardia. Esse resultado, embora não seja estatistica-mente significativo [OR: 0,394 - IC 95% 0,084 - 1,859 (p = 0,226)],é clinicamente significativo. Com os mesmos custos, considerando-se as duas estra-tégias, em cada mil pacientes submetidos à estratégia dacirurgia precoce, em comparação com a estratégia da cirurgiatardia, salvar-se-iam 94 vidas. A permanência hospitalar foi diferente entre os dois gru-pos de forma estatisticamente significativa com média de7,22 dias (DP, 3,43 dias) de permanência para os pacien-tes da estratégia da cirurgia precoce contra 15,90 dias (DP,6,81 dias) de permanência para aqueles da cirurgia tardia(p < 0,001). Um paciente submetido à estratégia da cirurgia precocegeraria para o hospital uma diária de R$ 267,84 e se subme-tido à estratégia da cirurgia tardia, geraria uma diária de R$121,62. Com relação ao estudo da utilidade, por meio do EQ-5D,as diferenças encontradas são sem significância estatística,conforme dados da tabela 5. A análise de decisão, gerada por meio de uma árvore dedecisão, mostra um resultado impactante em termos de custopor ano de vida ajustado por qualidade (AVAC ou QALY).A figura 1 mostra esses resultados.As estratégias, expostas por meio de um modelo deanálise de decisão, demonstram a pobreza dos resultadosassociados com utilidades baixas para ambas as estratégias,mas demonstram vantagens na alocação de recursos na estra-tégia da cirurgia precoce que custa R$ 5.129,42 por QALY contraR$ 8.444,50 por QALY da cirurgia tardia. A primeira estratégiase mostra, então, dominante. Discussão A amostra do trabalho se assemelha às amostras encontradasna literatura nacional e internacional quanto à proporciona-lidade, à predominância do sexo feminino e ao pico ao redordos 75 anos.19,20Essa informação demonstra a capacidade deextrapolação do trabalho. Há predominância das fraturas transtrocanterianas, pre-viamente reconhecidas por Castro da Rocha e Ribeiro.21Ostratamentos típicos da fratura transtrocanteriana, com pre-dominância das fixações, neste estudo, foram também vistosem outras pesquisas.21,22 Os custos médios por paciente, por tratamento, deR$ 1.993,79 (DP, R$ 686,26), são muito próximos aos encon-trados por Krauss Silva em análise econômica parcial, em quesomente os custos foram levados em consideração.8 O tempo decorrido entre o trauma e a cirurgia é alargado,conforme são alargados os tempos relatados nos trabalhosnacionais,5-7diferentemente dos trabalhos internacionais,que demonstram precocidade nesse atendimento.23,24 O tempo entre o trauma e a cirurgia é associado àdemora no preparo do paciente e à disponibilidade de teatropré-operatório, nos estudos internacionais.24Neste estudo,existe um forte componente associado à demora na trans-ferência do paciente do hospital de pronto-atendimento atéaquele com complexidade para resolução do quadro, após aqual os procedimentos transcorrem mais naturalmente. O tempo pré-operatório é maior do que o tempo pós--operatório. Apenas o tempo de transferência, ou seja, aqueleentre a emissão da Autorização de Internação Hospitalar (AIH)e a chegada ao hospital de destino, foi de 3,57 dias (DP,4,57 dias) e houve influência direta do tempo de transferênciano tempo até a cirurgia e no conjunto da permanência. O tempo pré-operatório é responsável por 64,3% do períodode internação, o que confirma as dificuldades na transferênciae/ou no preparo do paciente para o procedimento. Na amostra, os óbitos intra-hospitalares mostraram-se ele-vados, com média de 13,04%, diferentemente da metanálise deSakaki et al.,20que encontraram 5,5%. Esse valor mais baixopode ser decorrente do uso de trabalhos internacionais nametanálise em questão, pois se assemelham aos resultadosdo grupo de cirurgia precoce, que ficaram em 7,14% de óbitosintra-hospitalares. Supõe-se que o tratamento internacional - precoce - sejapadrão-ouro em resultados e os nossos, quando se asseme-lham a eles, também tenham resultados parecidos. Apesar da importância clínica, o número de óbitos não teverelação estatisticamente significativa com o tempo até a cirur-gia, assim como em outros estudos já mencionados. A permanência média da amostra, de 13,4 dias, é seme-lhante à permanência descrita por trabalhos nacionais einternacionais.20,25,26 O desfecho-utilidade medido pelo EQ-5D confirma os resul-tados pobres relacionados a esse tratamento, conforme já sesabia por meio de resultados clínicos e de qualidade de vida.27 O estudo passa a mostrar grande impacto quando se usaa árvore de decisão como instrumento de análise de decisão,uma vez que o desenho em questão expõe, de forma clara, osresultados em custo e utilidade para as estratégias estudadas. O pequeno número em comparações do estudo expõe aescassez de trabalhos desse tipo na literatura e não permitesua comparação com outros trabalhos nacionais e mundiais.O foco no tempo entre o trauma e a cirurgia já sofreu inúmerasavaliações clínicas, mas não de custo-efetividade. Reforça-se, neste ponto, o limite ético imposto a este e aoutros estudos que focam o tempo decorrido entre o trauma e a cirurgia, no que diz respeito à alocação aleatória dos pacien-tes. Nesses casos, os estudos observacionais, como este, sãoos que trazem consigo a maior evidência. Quando feita análise custo-efetividade do modelo,conseguem-se valores associados a um QALY. Neste estudo,a cirurgia precoce gerou um custo de R$ 5.129,42 por QALYcontra R$ 8.444,50 por QALY da cirurgia tardia. Conclusão Após controle das variáveis confundidoras, idade, gênero, tipode fratura, tipo de tratamento e risco anestésico (ASA), arazão custo-utilidade da estratégia "cirurgia precoce" (< 4 dias)mostrou-se dominante em relação à estratégia "cirurgia tar-dia" (> 4 dias). A análise econômica feita ampara a determinação da"cirurgia precoce" como ideal em linhas-guia de realidadenacional e alocação de recursos na busca desse objetivo. Conflitos de interesse Os autores declaram não haver conflitos de interesse. REFERÊNCIAS
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