Rogério Franco de A. Goes, Anselmo Fernandes da Silva, Fábio Soares Lyra, Fabricio B. Lourdes, Idemar M. da Palma, Hugo A. de A. de Barros Cobra, Pedr
ESTUDO PROSPECTIVO RANDOMIZADO APÓS UTILIZAÇÃO DE DRENO NA ARTROPLASTIA TOTAL DO JOELHO COM IMPLANTE
Rogério Franco de A. Goes, Anselmo Fernandes da Silva, Fábio Soares Lyra, Fabricio B. Lourdes, Idemar M. da Palma, Hugo A. de A. de Barros Cobra, Pedro José Labronici
Rev Bras Ortop. 2013;48(3):257-262
Resumo Objetivo: Comparar os resultados laboratoriais da abertura do dreno seis e 12 horas após a cirurgia de artroplastia total do joelho. Métodos: Estudo prospectivo e randomizado em 88 pacientes tratados com artroplastia total do joelho com implante em dois grupos: um com abertura do dreno seis horas (n = 45) após a cirurgia e outro, 12 horas (n = 43) após a cirurgia. Resultados: Existe uma queda significativa nas três variáveis laboratoriais (hemoglobina, hemácias e hematócrito) entre o pré e o pósoperatório na amostra total e nos grupos de tempo de abertura do dreno às seis e 12 horas. O grupo com tempo de abertura após 12 horas apresentou volume do dreno significativamente menor do que o grupo com tempo de abertura após 6 horas (p = 0,0003). Contudo, não foi verificada diferença significativa no delta absoluto das variáveis laboratoriais entre os dois grupos. Conclusão: A abertura do dreno em seis e 12 horas não demonstrou diferença significativa dos valores laboratoriais. Porém, o volume de sangue drenado foi maior com abertura do dreno após seis horas. Descritores -Artroplastia total do joelho Canal de drenagem Próteses e implantes |
1Chefe de Clínica e Médico Responsável pelo Grupo de Joelho do Serviço de Ortopedia e Traumatologia do Prof. Dr. Donato D'Ângelo, Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil.
INTRODUÇÃO A artroplastia total do joelho é amplamente usada no tratamento da osteoartrose e da artrite reumatoide moderada ou grave. Entretanto, o uso da drenagem da articulação ainda é controverso. Na teoria, a drenagem previne a formação de hematoma no local da cirurgia, diminui a tensão sobre a incisão (o que consequentemente diminui a dor), diminui o retardo de cicatrização da ferida e reduz o risco de infecção.1,2 Contudo, o sistema de drenagem inevitavelmente aumenta o sangramento, por não permitir o efeito de tamponamento no local da cirurgia, além de poder causar infecção retrógada.3 Apesar de alguns estudos demonstrarem que a drenagem após cirurgia na artroplastia total de joelho não é necessária, ainda é amplamente usada pelos cirurgiões ortopédicos.3-7 Embora a perda sanguínea após artroplastia total do joelho ocorra durante as primeiras horas do pós-operatório (37% nas primeiras duas horas e 55% nas outras quatro horas), parece razoável o fechamento do dreno nesse período para criar um efeito de tamponamento temporário e controlar o sangramento.8,9 O objetivo deste estudo foi comparar os resultados laboratoriais da abertura do dreno seis e 12 horas após a cirurgia de artroplastia total do joelho. Materiais e métodos Entre maio de 2010 e julho de 2011, 102 pacientes foram tratados com artroplastia total do joelho no Hospital Santa Teresa, Petrópolis, RJ, Brasil. O critério para este estudo prospectivo e randomizado foi o tratamento de pacientes com artrose primária do joelho com o uso do mesmo tipo de prótese (Nexgen®) cimentada. Em todos os casos foi incluída a artroplastia da patela. Os pacientes foram orientados a suspender qualquer medicação que interferisse com a coagulação, pelo menos durante 15 dias antes da cirurgia. Foram excluídos 14 pacientes: oito por causa da perda do dreno após a cirurgia e seis por usar próteses. Dos 88 pacientes válidos tratados com artroplastia total do joelho não houve algum caso bilateral ou de distúrbio de sangramento após cirurgia. Os pacientes foram randomizados, pelo critério de sorteio após a cirurgia, por meio de envelope, e divididos em dois grupos: um com abertura do dreno seis horas (n = 45) após a cirurgia e outro 12 horas (n = 43) após. A osteoartrose foi classificada de acordo com Alhback10 em cinco tipos e os casos foram tratados a partir do tipo II. Todos os pacientes foram operados sob a supervisão de um cirurgião mais experiente, com o uso da mesma técnica cirúrgica e com torniquete pneumático. A raquianestesia foi usada em todos os pacientes. Na deformidade em varo (n = 59) foi usado o acesso parapatelar medial e em valgo (n = 29) o acesso foi o lateral de Kerbish.11 O torniquete foi liberado após o fechamento da ferida. O dreno de aspiração a vácuo usado foi o de 4,8 mm de diâmetro. O dreno e o curativo compressivo permaneceram por 24 horas. Os pacientes foram submetidos a um protocolo de prevenção de tromboembolismo, que teve início seis horas após o término da cirurgia, com heparina de baixo peso molecular durante 10 dias. No pós-operatório imediato, os pacientes foram imobilizados com enfaixamento compressivo durante dois dias e no terceiro dia, depois de retirado o enfaixamento, foram orientados a iniciar marcha. A Tabela 1 demonstra o perfil geral dos 88 pacientes do estudo e fornece a média, o desvio padrão (DP), a mediana e o valor mínimo e máximo das variáveis numéricas. A Tabela 2 fornece a frequência (n) e o percentual (%) das variáveis categóricas basais. Avaliação estatística A análise descritiva apresentou sob forma de tabelas os dados observados, expressos pela frequência (n) e pelo percentual (%) para dados categóricos (qualitativos) e pela média, desvio padrão, mediana, mínimo e máximo para dados numéricos. A análise estatística foi composta pelos seguintes métodos: Foram aplicados testes não paramétricos, pois algumas variáveis não apresentaram distribuição normal (Gaussiana), por causa da dispersão dos dados e da rejeição da hipótese de normalidade segundo o teste de Kolmogorov-Smirnov. O critério de determinação de significância adotado foi o nível de 5%. A análise estatística foi processada pelo software SAS 6.11 (SAS Institute, Inc., Cary, North Carolina, EUA). Resultados Nosso estudo foi composto por dois grupos de pacientes: um com dreno aberto seis horas após a cirurgia (n = 45) e outro, 12 horas após (n = 43). Com o objetivo de verificar se existiu diferença significativa nas variáveis basais entre os dois grupos, em relação à associação com as variáveis numéricas, a Tabela 3 apresenta a média ± desvio padrão (DP), a mediana das variáveis numéricas basais segundo o grupo (tempo de seis e 12 horas) e o correspondente nível descritivo do teste t de Student para amostras independentes (idade e laboratoriais) ou de Mann- Whitney (ângulo do valgo e do varo). Observou-se que não existe diferença nas variáveis numéricas basais entre os dois grupos. Em relação à associação com as variáveis categóricas, a Tabela 4 fornece a frequência (n) e o percentual (%) das variáveis categóricas basais segundo o grupo (tempo de seis e 12 horas) e o correspondente nível descritivo (p valor) do teste de ?2 ou exato de Fisher. Com o objetivo de verificar se existe variação significativa entre o pré e pós-operatório nas variáveis laboratoriais, a Tabela 5 fornece a média ± desvio padrão e o correspondente nível descritivo (p valor) do teste t de Student pareado. Observou-se uma queda significativa nas três variáveis laboratoriais entre o pré e o pós-operatório na amostra total e nos grupos de tempo de abertura do dreno seis e 12 horas. Outro objetivo foi verificar se existiu diferença significativa no volume do dreno e nos deltas das variáveis laboratoriais entre os dois grupos: tempo de abertura de seis vs 12 horas. A Tabela 6 fornece a média ± desvio padrão (DP) e mediana do volume do dreno e dos deltas absolutos das variáveis laboratoriais e o correspondente nível descritivo do teste de Mann-Whitney. O delta absoluto foi calculado pela fórmula: Delta absoluto = variável no pós-tratamento - variável no pré-tratamento. Observou-se que o grupo com tempo de abertura do dreno após 12 horas apresentou volume do dreno significativamente menor do que o grupo com tempo de seis horas (p = 0,0003). Contudo, não foi verificada diferença significativa no delta absoluto das variáveis laboratoriais entre os dois grupos. Discussão A artroplastia total do joelho é um procedimento amplamente usado e produz bons resultados.12 Apesar de controverso, o dreno é um procedimento normalmente usado após artroplastia e por isso deveria ser reavaliado pelos cirurgiões.13,14 O que está em discussão é se e quando o sistema de drenagem oferece benefício em relação às feridas. Na teoria, a drenagem evacua o hematoma desenvolvido no local da cirurgia e ajuda na cicatrização da ferida.2 Waugh et al.15 defendem o uso do dreno após vários procedimentos ortopédicos, sob a alegação de que previne a formação de hematoma e diminui a incidência de complicação na ferida. Entretanto, outros pesquisadores demonstram que a colocação de dreno após a artroplastia total do joelho não afeta a incidência de complicações, o tempo médio de hospitalização e a recuperação funcional, além de diminuir o efeito do tamponamento e aumentar a perda sanguínea pela ferida.2,3,5,16-20 Kim et al.2 observaram que, ao contrário das feridas drenadas (10,1%), as feridas que não foram drenadas tiveram uma alta incidência (60,9%) de sangramento e causaram encharcamento do curativo, grande equimose e eritema ao redor da ferida. O tempo para liberação do dreno varia entre vários autores. Aksoy et al.14 fecharam a ferida, envolviam com bandagem elástica e mantinham o dreno fechado por duas horas. Eles não observaram uma redução significativa na quantidade de sangue drenado e dos níveis de hemoglobina e hematócrito e a necessidade de transfusão no pós-operatório. Sedna et al.21 fecharam o dreno por uma hora após a artroplastia total do joelho e relataram diminuição do sangramento no pós-operatório. Roy et al.22 também usaram a técnica de manter o dreno fechado por uma hora após a cirurgia e demonstraram que a perda sanguínea foi de 732 mL (620-845mL) no grupo do dreno fechado e de 1.050 mL (728-1.172 mL) no grupo controle. Apesar de a perda sanguínea ter sido significantemente reduzida e a média da taxa de hemoglobina ter diminuído, não houve necessidade de transfusão sanguínea entre os grupos. Kiely et al.23 usaram a técnica de fechamento do dreno por duas horas e não encontraram diferença em relação à perda sanguínea, diminuição dos níveis de hemoglobina e necessidade de transfusão. Stucinskas et al.24 e Shen et al.25 mantiveram o dreno fechado por quatro horas no pós-operatório e encontraram redução de perda sanguínea significativa. Em ambos os estudos, a quantidade de transfusão sanguínea diminuiu, mas Stucinskas não relatou diferença no pósoperatório dos níveis de hemoglobina e hematócrito. Raleigh et al.26 usaram o método de fechamento intermitente por cinco minutos a cada duas horas durante as primeiras seis horas do pós-operatório e então fecharam novamente na 12ª hora e na 24ª hora por cinco minutos. Os seus resultados mostraram que, embora, a quantidade do sangramento tenha diminuído, não houve diferença nas taxas de transfusão no pós-operatório. Prasad et al.27 compararam dois métodos intermitentes de fechamento do dreno. Mantiveram o fechamento do dreno no primeiro grupo por uma hora e no segundo grupo a cada duas horas por 10 minutos durante as primeiras 24 horas. A perda sanguínea no segundo grupo foi significativamente menor do que no primeiro, mas não houve diferença significativa nas taxas de transfusão de sangue e nos níveis de hemoglobina. Tai et al.26 demonstraram que o fechamento do dreno por menos de quatro horas não reduziu a drenagem e não alterou as taxas de transfusão de sangue. Em nosso estudo não houve diferença entre os níveis de hemoglobina, hematócrito e quantidade de hemácias quando comparadas a abertura do dreno em seis e 12 horas, como foi demonstrado pelo delta absoluto no pré e no pós-operatório. Houve uma queda significativa nas variáveis laboratoriais após tratamento em ambos os grupos, porém de forma semelhante. A maioria dos estudos se concentra na quantidade de perda sanguínea pelo dreno no pós-operatório e não leva em consideração a quantidade de sangue perdida após a abertura do torniquete, no curativo compressivo ou no sangramento impregnado nos tecidos.22,27,28 Nosso estudo demonstrou que houve uma diminuição dos níveis de hemoglobina, hematócrito e hemácias em ambos os grupos. No grupo com abertura do dreno a partir de 6 horas a quantidade de sangue drenada foi de 230,7 mL e no grupo a partir de 12 horas foi de 158,6 mL. Essa diferença entre seis e 12 horas e a semelhança entre os níveis laboratoriais se explica pela provável perda sanguínea nos tecidos e no curativo, que não pôde ser medida. O aspecto positivo do trabalho foi a observação da existência de diferença do sangramento identificado no dreno de aspiração entre os grupos de seis e 12 horas, apesar de essa diferença não ter sido confirmada nos níveis laboratoriais, provavelmente por causa de o sangue ter sido dissipado para os tecidos e para o curativo no grupo de 12 horas. Acreditamos que o aspecto negativo foi a falta de comparação com os resultados clínicos. Conclusões Pacientes que foram submetidos a artroplastia total do joelho com a abertura do dreno em seis e 12 horas no pós-operatório não demonstraram diferença significativa dos valores laboratoriais. Porém, o volume de sangue drenado foi maior após abertura do dreno em seis horas. Conflitos de interesse Os autores declaram inexistência de conflitos de interesse na feitura deste trabalho. REFERÊNCIAS
1. Holt BT, Parks NL, Engh GA, Lawrence JM. Comparison of closed suction drainage and no drainage after primary total knee arthroplasty. Orthopedics. 1997;20(12):1124-5. |